quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Eu sou porque nós somos ***

Imagem: Divulgação - Kristen Ashburn
Por Bruno Dantas

Madonna foi escolhida por Malauí. Ao menos assim ela define seu relacionamento com o segundo país mais pobre do mundo (66%, das 12 milhões de pessoas, vivem com menos de dois dólares por mês), que tem um milhão de crianças órfãs pela AIDS. É nesse lugar, no coração da África, que a maior cantora pop feminina do mundo foi encontrar um novo herdeiro – seu filho David Banda.

Como eles se envolveram (ele estava doente, sendo criado pela irmã pequena, havia perdido três irmãos, mãe morta no parto e pai desaparecido) é retratado em I am Because we are (Eu sou porque nós somos – um ditado zulu), mas está longe de ser o foco principal do documentário. Madonna, inclusive, só aparece em poucas cenas e a única coisa que faz é emprestar sua voz e idéias, além de comandar a direção e o roteiro. O vídeo tenta mostrar ao mundo a situação caótica na qual se encontra essa nação e, por meio de depoimentos de políticos, ministros e clérigos do país, e outras personalidades, como Bill Clinton, apresentar soluções viáveis para uma mudança necessária.

Em meio à lama, pessoas vivendo na rua, e morrendo de malária, AIDS, ou qualquer outra doença (que tem cura ou tratamento), as câmeras vão atrás de um fragmento da realidade, apresentando personagens desse sofrimento.

Fanizo é mais um menino órfão, que só come uma vez ao dia, quando dá (a fome é um enorme problema da sociedade), e declara que não tem oportunidade, nem incentivo de um pai para tentar melhorar de vida. Flora é mãe de Manuto, e afirma que não tem futuro, que não conseguiu fazer o que queria. Ela morre, e mais uma criança se torna órfã. Em um momento de solidariedade, que caracteriza a população, todos da aldeia choram pela morta e pranteiam sem descanso. Fred constata: “Todos precisam de pais. Mas sempre vai haver alguém sofrendo uma perda”.

As imagens são feitas por câmeras na mão, sem nenhuma precisão hollywoodiana, mas não por isso mal feita, valendo-se de muitos planos lentos e closes. Vídeos históricos, retratos e fotos em preto e branco dão maior dramaticidade ao documentário. Pessoas raquíticas, à beira da morte, contam suas vidas e representam o quão sofrido é viver em um país como aquele. Músicas instrumentais e típicas dão o toque sentimental.

O país tem pouquíssimas pessoas de 25-35 anos. Em um orfanato com 500 crianças, apenas dois adultos supervisionavam. É comum crianças cuidarem de crianças, meninos de doze anos serem chefes de família, sem estudar, claro. E para estudar em uma escola particular, basta desembolsar somente dez dólares por trimestre. Nem isso eles têm.

Outro grande problema é o imaginário social, as superstições e feitiçarias. Muitas crianças são seqüestradas e mutiladas em rituais. O documentário mostra o drama de um menino que foi levado para o meio de uma plantação, onde lhe arrancaram os genitais, mas graças à produção, depois de várias cirurgias, conseguiu restituir um pouco de sua dignidade. Isso até a puberdade chegar. A AIDS também é proliferada por causa de tradições tribais. Por exemplo, quando uma mãe perde o filho, ela tem de fazer sexo com algum homem para poder “se limpar da morte”, e assim poder voltar a fazer sexo na aldeia. Um chefe diz: “A AIDS está de passagem, a tradição é antiga. Essa doença só quer nos atrapalhar”.

Vitimização. Indiferença. Negação. Eis os maiores inimigos da mudança. Por causa dessas três atitudes, os próprios malauienses e o mundo não fazem nada para mudar a situação. Em um vídeo antigo, uma autoridade diz que com tanta coisa acontecendo (na época da filmagem), eles acabaram por esquecer o país. E é como ele se encontra até hoje. É mais fácil ignorar do que curar as feridas.

Soluções, como ensino de técnicas básicas de agricultura (que aumentam em até cinco vezes a produção), prover serviços decentes de saúde, mudança do imaginário social, dentre outras coisas, são propostas como caminhos a serem seguidos. Obviamente uma epidemia que já dura quinze anos, sendo que o vírus da AIDS demora uns dez para se desenvolver, não vai acabar de uma hora para a outra, mas ficar parado não resolve nada.

A pobreza gera a doença. A doença gera a pobreza. É um ciclo vicioso que precisa ser quebrado. Investimento, parcerias e ajuda são o necessário. Uma criança pede: “Façam-nos esquecer que somos órfãos!”. Onde nós estamos para que essa criança seja?

"Ou mudamos, ou morreremos". Aqueles cidadãos têm necessidades, além das físicas, emocionais, psíquicas e espirituais. Os problemas globais são de todos. Cada um deve acreditar em si próprio. Cada um pode mudar. Esperança, determinação, coragem, resiliência, direcionamento. União. É com essa mensagem de encorajamento e de pedido por atitudes que Madonna fecha o documentário. “Temos sangue da mesma cor. Todos amam e querem ser amados”. Enquanto a situação não muda, mais uma mãe que perdeu seu filho para a AIDS questiona à espera de uma resposta: “Viverei assim para sempre?”.

Se você quiser ajudar, acesse o site oficial: I am Because we are

Abaixo está o trailer em inglês:

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