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Por Bruno Dantas
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“Antes o meu sonho era ir para universidade, ser cientista, agora é impossível”, desabafa Yu Shui, ou Cindy (seu nome na versão inglesa). A protagonista do documentário Up the Yangtze, do diretor Yung Chang, é filha de camponeses e sua vida não é nada fácil.
Para o progresso da Grande Família – a China –, a pequena família tem que se sacrificar. Nos últimos anos o país vem progredindo muito e, há apenas 20 anos, é que o Grande Dragão foi descoberto como um paraíso turístico. Para melhorar a produção de energia elétrica, já que mais de um bilhão de pessoas necessitam dela, o Yangtze, chamado de “O Rio”, precisou ser represado para a criação da hidrelétrica Três Gargantas. A então humilde moradia de Yu Shui, sem eletricidade, ficaria submersa, como várias outras casas depois que a água elevasse 175 metros.
A única chance de melhorar de vida é a jovem trabalhar em uma das luxuosas embarcações que navegam por esse mesmo rio, abandonando assim, ao menos temporariamente, o sonho de estudar, para sustentar os pais e os irmãos.
Com uma pequena sacola de pertences, Cindy sobe a bordo do barco. Nesse emprego, conhece outros jovens, alguns em boa situação financeira, incluindo Chen Bo Yu, ou Jerry.
O rapaz, considerado mimado e egoísta – característica de parte dos chineses, pelo fato da maioria ser filho único –, é rejeitado por outros iniciantes, mas não se importa, ele reconhece se sentir superior e diz não querer uma vida simples, quer ser um superstar. De acordo com ele próprio, caso dê tudo errado no trabalho, ele tem seus pais que devem o sustentar.
Chen Bo, conversando com alemães, acabam falando de futebol e de símbolos mundiais, como o jogador Ballack, mostrando o quão atualizado está o país, apesar das restrições. Mas as regras são claras, não se pode conversar de tudo com os turistas, principalmente americanos. Comparar EUA e Canadá, falar da independência do Quebec, da Irlanda do Norte, de monarquia, ou realezas é proibido. Assim como, pronunciar “velho”, “pálido” ou “gordo”, no lugar do adequado adjetivo: “robusto”.
Capitalismo e socialismo, mesmo sem ser o foco, acabam por entrar nas discussões do documentário. É como se o país caminhasse para o capitalismo com um disfarce de socialismo. “A China é um país irreconhecível”. Mitos perdem seu valor. E conforme a água dO Rio sobe, a história se perde.
As famílias acabaram sendo reassentadas, o que gerou muita discussão e briga entre os cidadãos. Um vendedor de objetos antigos, não se segura e chora, enquanto ao lado de sua loja surge mais um motim por causa das diferentes indenizações (a qual a família de Cindy não recebeu, apesar de ter ganhado uma nova moradia). Segundo esse homem, “o ser humano é complicado na China”, eles são inflexíveis. Quem não tinha dinheiro para subornar as autoridades acabou por ser arrastado de seu lar e surrado. E como bem o pai da jovem Yu Shui disse, “o camponês que não lê e não vê TV não pode opinar”.
Por meio de uma imagem por vezes muito acinzentada – conseqüência da poluição; ótima edição, que captura com feeling sentimentos, (falta) de esperanças, e cria uma ligação com os personagens; o documentário mostra que para enfrentar tudo isso com dignidade, para o progresso da nação, o país e seus cidadãos realmente precisam ser “fortes e prósperos”.
Behind the Documentary
Depois da exibição na quinta (30), o diretor Yung Chang respondeu às perguntas da audiência. Dentre muitas curiosidades, ele disse que encontrou os dois jovens protagonistas por meio do cadastramento para o treinamento na embarcação, em 2006. O período entre o período de entrevista e o início do trabalho foi usado para conhecer o cotidiano das duas famílias.
A câmera não aparecia de imediato para as pessoas, antes era preciso criar um laço de confiança. Yung não queria apenas um documentário jornalístico, queria mostrar que se pode fazer um documentário mais cinematográfico, com elementos de uma ficção. Participaram das filmagens, que tiveram que ser feitas sem o conhecimento das autoridades para ajudar o filme, no máximo três pessoas, incluindo o diretor e, algumas vezes, era ele inclusive que estava por trás da câmera.
Os depoimentos são muito sensíveis e profundos, e foi conseguido apenas através de simples perguntas, que por algum motivo comoviam as pessoas e as faziam conceder relatos tocantes.
Depois de um ano afastado na pós-produção do filme, o diretor voltou para mostrar o filme aos envolvidos. Yu Shui ficou muito comovida e, tempos depois, voltou para a escola com o financiamento da produção do documentário. A família dela também recebe um apoio, por meio do fundo de arrecadação no site oficial do filme. Jerry, por sua vez, achou que poderia ter aparecido mais e não mudou em nada sua personalidade.
Segundo Yung Chang, filmar é um espelho que reflete a pessoa interior que está sendo filmada, provocando análises e confissões.
Ganhou o prêmio de Melhor Documentário Canadense e concorreu no Canada’s Top Ten 2007, Joris Ivens Award e World Cinema Documentary Competition, no Sundance Film Festival 2008.
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