
Memo em seu trabalho de Sleep Dealer
Por Bruno Dantas
Em algum momento do futuro, haverá trabalho sem trabalhadores. Os empregados prestarão seus serviços em uma sala conectando cabos em nódulos instalados no corpo por um coyotek (coiote da tecnologia). As fronteiras serão absolutamente fechadas. A tecnologia é que vai mediar as pessoas. Quem não tem os nódulos é marginalizado, não faz parte da sociedade. Os religiosos poderiam comparar com o sinal da besta. Esse é o contexto do filme do diretor Alex Rivera, Sleep Dealer, que venceu prêmios no Festival de Berlim e no Sundance Film Festival.
Em Santa Ana Del Río - México, que não tem mais rio, já que o que existia foi privatizado e represado para supostamente evitar conflitos por água, vivem Memo (Luis Fernando Peña) e sua família. Até nos confins da terra, nos lugares mais humildes, há televisão de plasma e, com o mundo globalizado, são as transmissões norte-americanas que comandam a programação. O jovem sonha em sair daquele lugar e ter uma vida melhor, mas seu pai pensa diferente, apesar de ter até que comprar a água, com armas apontando para o rosto, da empresa que tem direitos sobre o rio.
Memo é um apaixonado pela tecnologia e construiu um aparelho que capta ondas sonoras. No começo ouvia vozes de perto, depois, ouvia vozes inclusive dos EUA. Ao ouvir uma conversa em San Diego, ele foi interceptado sem saber e considerado como terrorista.
Na primeira missão de um profissional de tecnologia nos EUA (Jacob Vargas), comandando aviões a distância, com transmissão ao vivo pela televisão, ele envia um bombardeio à casa de Memo, onde o pai dele se encontra. Quando o rapaz viu pela televisão, correu, mas em vão. Esse foi o ponto de virada. Memo resolveu ir para Tijuana, a maior cidade fronteiriça dos EUA, e absolutamente separada por um tipo de muro, para ajudar a família, que sem o cabeça da casa estava pior do que antes.
É nessa viagem que conhece Luz (Leonor Varela), uma escritora que conta suas memórias (em forma de imagens reais) em uma espécie de blog virtual. Depois de conhecê-lo, começa a relatar sobre sua pessoa. O homem que matou o pai dele descobre e começa a acompanhar a história.
A própria Luz é quem ajuda Memo na nova vida e instala nele os nódulos. Então, ele arruma um emprego como sleep dealer, na construção de um prédio na Califórnia, talvez, já que o ofício é totalmente virtual, sendo o máximo que pode acontecer é curto-circuito. Em um momento, um vidro passa e ele se vê – um robô, completamente industrializado, uma máquina trabalhadora. Ele está, mas não é.
Através dos nódulos é possível obter prazer, ter relações sexuais virtuais, ou mesmo pessoalmente, nesse caso um conhecendo o interior do outro, suas histórias. Mas a conexão é de duas vias. Uma hora você controla a máquina, outra hora a máquina controla o homem. Quanto mais tempo se fica conectado, mais difícil é ver (a vida como ela é realmente).
Mesmo em uma sociedade tão moderna, antigos valores permanecem. Luz era considerada, por seu pai, louca, por estar morando em uma cidade sozinha, por não ter casado e por tentar ser escritora, pois, segundo ela, há tanta distância entre as pessoas. Por mais que a tecnologia se torne obsoleta e evolua constantemente, o imaginário social demora mais tempo até se adaptar à nova realidade de mundo.
Nesse mundo tão mecanicista e racionalizado, quando o assassino do pai do Memo, descobre, pelas mensagens de Luz, que ele não é um terrorista, uma chama passional acende em sua consciência e se arrepende. “Em algum momento já teve dúvidas do que faz?”. A morte de um, para a suposta salvação de muitos, se torna banal, comum.
Os países são tão egoístas, egocêntricos, e estão tão aterrorizados com a situação em que se encontram, que quando ele resolve ir ao México conversar com Memo, uma placa diz: “Entre no México por sua conta em risco”. Quando os dois homens finalmente se encontram e começam a conversar, Memo foge com medo, mas ao saber que é para desculpar-se e tentar reverter o caso de alguma maneira, ele se surpreende. Ainda existe sentimento nas pessoas.
O filme, de uma hora e meia, por meio de belas imagens, planos que passam o anseio de Memo por um pouco de humanidade nos próximos tão afastados, e efeitos especiais satisfatórios mesclando-se com o real, mostra que a tecnologia tem suas vantagens: facilita a vida da população, melhora as condições de uns, quebra barreiras de tempo e espaço; mas ao mesmo tempo em que conecta pessoas afastadas, afasta as pessoas próximas. E muitos nem se dão conta disso, ou não se importam.
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